Movimentos sociais, alimentação e revoluções culturais.

Por Carlos Henrique Nicolau da Silva

Nada mais atual na história do planeta que a apropriação do termo sustentabilidade… por todos os lados nos deparamos com esta palavra, que se decerto está na boca do povo, ainda não encontrou um reduto de compreensão por parte da maioria. Sabemos que precisamos desta sustentabilidade, no entanto muitas vezes não sabemos por onde começar. Como nos ensina Leonardo Boff,  “sustentável é aquele que solidariamente toma da natureza entorno somente o que esta pode repor, atuando de modo cooperativo e solidário com toda a cadeia da vida”.

salgados-comida-vivaA proposta da Alimentação Viva, corrente contemporânea da alimentação natural, condiz com um comportamento de sustentabilidade interior, onde podemos aprender na prática que esta re-educação planetária começa por nós.  Ao enxergarmos a alimentação como uma economia interior, onde elementos que são adicionados (ingeridos) ao nosso sistema corporal influenciam, positiva ou negativamente, no sistema de “economia energética e vital” de nossos corpos, cabendo à nós esta consciência na administração das vitaminas, minerais, carboidratos e proteínas essenciais para nossa fisiologia;  passamos assim a compreender as diversas equações que o corpo nos transmite, seja em sinais de doença ou saúde, vitalidade ou indisposição, alegria ou tristeza.  

mandala vivaComo as drogas, os alimentos também têm influência direta – física e psicológica – sobre o nosso corpo, facilitando ou dificultando a absorção de determinados elementos, e até mesmo expondo-nos à determinados males e doenças, que até recentemente desconhecidos em sua raiz, começam a ser estritamente conectados com a dieta alimentar.  A proposta da Alimentação Viva pode ser considerada um exemplar da movimentação social  na temática da alimentação,  fruto talvez de um processo histórico de re-descoberta da consciência na alimentação no mundo globalizado, que teve início na década de 60, nos pós-guerra e movimento de contra-cultura,  e busca até hoje um lugar ao sol na crescente ocidentalização do mundo; promovendo-se a cada dia como uma reeducação alimentar que pode estar ao alcance de todos, propondo uma nova visão, que passa necessariamente pelo processo de descoberta do interior, do corpo, da mente, e do ambiente exterior que nos cerca, o mundo.  A sustentabilidade começa em pequenas ações, e começa em casa, na sua casa, no seu corpo.  Sustentar a si mesmo, prover-se as energias necessárias, sem recorrer a auxílios externos (remédios, drogas, complementos) e estar em equilíbrio físico-químico e psicológico tornou-se  fundamental na construção de indivíduos sadios e ativos socialmente.

mandala frutasComo estamos em tempos de despertar global, com as constantes ocupações e micro revoluções sociais acontecendo aqui e ali,  as constantes  tentativas de promover uma democracia mais efetiva e consensual; com todos estes movimentos podemos perceber que algo está em constante dinâmica, operando-se um rearranjamento dos micro poderes disponíveis em sociedade.    Aparentemente somos muitos, na verdade não somos tão poucos, mas pouco a pouco, num trabalho de formigas, começamos a dialogar entre nós, com menos barreiras, com mais sinceridade, unidos em prol de uma consciência mais humana, menos econômica e menos mecânica… novos paradigmas estão surgindo, e com eles a necessidade de mudança, de ativação, de ocupação, de movimentação.

Uma das respostas apresentadas pela própria sociedade mobilizada aos problemas atuais foi a Alimentação Viva, movimento científico encabeçado pela Dra Ann Wigmore, nos meados da década de 80, na Califórnia, que desde então passa a se popularizar e se ramificar pelo mundo.  Raw food, living food, ou “Estilo de Vida da Alimentação Viva”, como adeptos desta alimentação podem chamá-la também, preconizam em sua alimentação a manutenção da vitalidade natural do alimentos, que, ao passarem pelo processo de cozimento, perdem 100% de suas enzimas, até 90% dos antioxidantes e até 60% dos micronutrientes, segundo estudos do grupo científico experimental Terrapia, da FioCruz.  Também fazem parte do próprio conceito de alimentação as atividades físicas, a troca entre os presentes e o contato com a produção de alimentos, em maior ou menor escala.

germinadosA visão ampliada da Cozinha Viva baseia-se num “conjunto de alimentos que facilitem a digestão, sem processamento pelo fogo e pelo resfriamento, mantendo a energia vital. Inclui vegetais frescos, maduros, orgânicos (quando possível), sementes germinadas e brotadas, desidratados e fermentados. Analisado e aprovado pela FDA (Food and Drugs Administration), a dieta ultrapassa em mais de 200% das necessidades nutricionais humanas determinadas pela organização.”  Na cozinha viva o fogo é um elemento puramente cultural,  sendo dispensável ou usado em mínimas temperaturas.

Como os movimentos sociais que estão despontando por aí, ocupando ruas e praças, habitando a polis e seus lugares públicos e políticos, a Alimentação Viva também tem um papel de transformação, uma vez que procura esclarecer seus convivas à mesa, unindo prazer e consciência ao ato de cozinhar, ou até mesmo à arte da gastronomia.

consciência viva

Em homenagem  indignados de todo o mundo, elaborei uma das muitas possíveis receitas de alimentos vivos que podem ser feitas sem muitas complicações, sem muitas estruturas e com poucos equipamentos (a cozinha viva se vira muito bem somente com um liquidificador e um moedor manual), enfim, receitas que não são fáceis, mas que aproximam-nos do roteiro de convivência social  e gastronômica puxado pelos seguidores da alimentação viva. Alimentemos nossa consciência!!

As receitas não têm quantidades específicas, pois todo o processo desenvolvido na cozinha viva deve e pode ser mais intuitivo.  Use sua criatividade, pesquise e estude sobre os alimentos que utiliza em suas preparações.

Bom apetite e saúde!!

O que vamos precisar:

*  Sementes Germinadas e Brotos:  trigo em grão, amendoim em grão, broto de feijão azuki (moyashi), girassol em grão graúdo.    Neste link, uma boa dica de como germinar sementes, e quais sementes escolher:  http://culinariaviva.blogspot.com.br/2008/06/como-germinar.html

“Combinam com todos os alimentos. Com o processo da germinação as sementes tornam-se neutras. Dê preferência a combinação de sementes oleaginosas com as frutas, pois podem facilitar a digestão.”

brotos

*  Alimentos frescos:  folhas verdes (rúcula, couve, almeirão, agrião, chicória), pepino, cenoura, couve-flor, brócolis, abobrinha, inhame, ervas frescas,

Crus, maduros, de produção local, sempre que possível orgânicos.  Frutas, verduras, hortaliças, raízes, vegetais, hortaliças e folhas variadas (muitas chamadas PANCs – plantas de alimentação não convencional).

alimentos frescos

*  Alimentos processados/industrializados:  missô (pasta fermentada de soja); azeite, vinagre

missô

*  Temperos secos e moídos:  cominho, curry, pimenta, páprica, orégano, manjericão.

especiarias 

ENTRADA

Consomeé amornado de missô com macarrão de abobrinha.

Prepare o consomeé dissolvendo a quantidade adequada de missô (sugere-se o missô macrobiótico, sem açúcar e conservantes.) na água fria, e levando para amornar em fogo muito baixo, de preferência em panela de barro, ou vidro.  A temperatura pode ser medida com a mão, estando a sopa pronta quando atinge algo em torno da temperatura do corpo.  Com as abobrinhas necessárias, use o ralador mais fino e na posição vertical, para que saiam finas tirinhas da abobrinha.  Junte a abobrinha ao missô, e deixe algumas especiarias disponíveis para uso dos convivas (limão e pimenta por exemplo)

 

PRATO PRINCIPAL

Torta de trigo germinado com mix de vegetais e molho “pesto” vivo.

Passe o trigo germinado no moedor e reserve para a base da torta.  Pegue a quantidade necessária de vegetais variados tenros (cenoura, abobrinha, couve flor, brócolis) e pique em brunoise.  Com o amendoim germinado, vamos ao pesto: junte o amendoim com tomates picados e sem sementes, bem maduros.  Junte folhas de manjericão, azeite e bata tudo no liquidificador, com o auxílio de um vegetal longo (pepino, cenoura) empurre a mistura para processamento, adicionando um pouco de água se necessário.  Tempere com ervas e temperos secos de seu gosto, e leve o pesto para amornar, como feito com o missô.  Amornado, despeje por cima da torta e sirva.

 

SALADA

Salada verde com brotos e molho branco de inhame e limão

Escolha as folhas de sua preferência, pique com as mãos, adicione o moyashi e monte a salada.  Descasque e pique o inhame em pequenos pedaços, bata no liquidificador com vinagre, azeite e suco de limão, tempere com sal e pimenta, e misture na salada, ou sirva à parte.

 

BEBIDA

Néctar de manga e hortelã com girassol germinado.

Bata a quantidade suficiente de manga e girassol germinado no liquidificador, adicione a hortelã e vá batendo com o auxilio de um pepino, até que vire uma pasta bem líquida. Não leva água.  Coe num voil  e sirva em pequenas doses ou shots.

 

SOBREMESA

Mandala de frutas com nozes.

Passe as nozes germinadas no moedor, e monte a base da torta.  Reserve mamão, banana e maçã, ou outras frutas doces ou neutras.  Pique tudo em lâminas finas e distribua sobre uma forma redonda, tentando criar um desenho em mandala.  Com ameixas deixadas de molho de véspera, liquidifique-as com um pouco de sua água, e faça um creme espesso.  Distribua por cima da torta montada e decore como desejar.

torta vital de frutas doce

Glossário

*  Raw food: comida crua

*  Living food:  comida viva, germinada

*  mandala:desenhos artísticos circulares e concêntricos

*  brunoise:  do francês, picado em cubinhos mínimos

*  voil:  pano bem fininho sintético, ou um pano de algodão bem fino

*  shot:  pequena dose, de 20 a 50 ml. 

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