RIO CARIOCA – A urbanização do Rio de Janeiro através do caminho da água.

A CHEGADA

Foi em 1º de janeiro do ano de 1502 que um navegante europeu adentrou pela primeira vez a enseada da Baía de Guanabara.corcovado visto de cima

Deparando-se com o exuberante visual das densas matas e dos paredões rochosos cariocas pensou que a baía era, na verdade, um rio que desembocava no mar. A enseada foi nomeada de Rio de Janeiro.

Cerca de um ano depois, em expedição de Gonçalo Coelho ao Rio de Janeiro, alguns de seus tripulantes foram os primeiros a desembarcar no local hoje conhecido como a Praia do Flamengo. Situaram-se próximos a foz do rio, hoje conhecido como rio Carioca e construíram a primeira feitoria do Rio de Janeiro.

À esta pequena habitação os tupinambás, habitantes da região, denominaram Carioca. Nome que, em um processo de acomodação cultural, foi dado a este mesmo rio posteriormente.

Vê-se desde este pequenino episódio que a história da cidade do Rio de Janeiro começa marcada pela geografia natural de seus rios, e seus caminhos, determinados pelas fontes naturais de suas águas. E assim vai seguir a ocupação do território da Guanabara.

Rio 1573

Vivaldo Coaracy, Cartas do Rio Antigo 1573.

Aliás, a própria condição de baía foi fundamental para o desembarque do europeu no mar de águas calmas da cidade tupinambá. Sem essa condição primordial a província do Rio de Janeiro nunca chegaria a ter a importância fundamental que teve na história do Brasil.

Em 1530, nova expedição portuguesa ao Rio de Janeiro foi comandada por Martins de Souza, que desembarcou na foz do rio Carioca. Mais uma vez o rio Carioca se tornava um marco de referência no processo de acomodação dos estrangeiros navegantes nas águas do Rio de Janeiro.

E a ocupação da cidade se inicia por dois focos a partir de meados do século XVI, quando da fundação da cidade. Um deles está atrelado a foz do rio Carioca, provavelmente pela presença abundante de água boa e saudável.

E o outro foco de ocupação está mais próximo de onde é hoje o bairro do Castelo e a Praça Mauá. A este foco atribui-se um carácter mais estratégico de segurança, já que naquela época o Rio sofria constantes invasões tanto francesas quanto tupinambás.

Mapa centroPorém, esta área de posição estratégica privilegiada na defesa da cidade contra as invasões, sofria por falta de água e de condições higiênicas de vida e de saúde. Em 1646 o pedreiro André Tavares foi contratado para construir um cano levando as águas da lagoa de Santo Antônio (atualmente Largo da Carioca) até a Praça XV. O traçado deu origem a rua do Cano, hoje nomeada de rua Sete de Setembro.

Mas essa medida não foi de todo suficiente para abastecer com água os padres e marinheiros que aportavam, cada vez mais frequentes, na Baía de Guanabara.

Ainda no final do século XVII se iniciaria uma das principais obras de abastecimento do centro da cidade e que seria responsável pelo desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro.

 O AQUEDUTO DA CARIOCA

A construção de um aqueduto vindo desde a nascente do rio Carioca, passando por cima do morro do Desterro (atual bairro de Santa Tereza) e descendo sobre os Arcos da Lapa, trouxe água até o Largo da Carioca, que na época ainda não tinha esse nome. Arcos da Lapa

O aqueduto ficou pronto em 1723 e trouxe vida e transformação para a geografia da cidade. As lagoas do centro da cidade, lagoa de Santo Antônio (que abrangia o terreno do Largo da Carioca até onde é hoje o teatro municipal) e lagoa do Boqueirão (localizada onde é hoje o Passeio Público) foram aterradas por questões de saúde. A cidade atravessava um surto de gripe e as lagoas que perderam sua função de abastecedoras fluviais se tornaram apenas focos de reprodução de mosquitos.

O rio Carioca ganha destaque e se torna o rio mais importante da cidade. O bairro do Cosme Velho e das Laranjeiras começa a surgir no entorno de suas margens. O morro de Santa Tereza que antes era esconderijo de negros fugidos começa a ser ocupado por casarios nobres. A rua do Lavradio em 1777 passa a ser uma das primeiras do centro a possuir estabelecimentos residenciais. Tudo isso reflexo do abastecimento de água que agora chegava até o centro da cidade.

ipanema A cidade continua a crescer no entorno das margens dos rios, ao longo das praias e na beira da Baía de Guanabara. Paisagens da onde o Rio de Janeiro vai tomando suas formas. Podemos destacar algumas ruas como: a Rua das Laranjeiras e a Rua do Cosme Velho que seguem atualmente o traçado original do Rio Carioca. E outras, como a Praia de Ipanema, Leblon e São Conrado, que seguem o contorno original do mar.

E mesmo ressaltada a importância da água e especialmente do rio Carioca, a medida que cresce a urbanização da cidade, cresce também a poluição e degradação das águas desse mesmo rio. Rio que deu o traçado de ruas e o formato de bairros, que recebeu o nome dado ao gentio nascido nessa terra e do principal largo comercial do centro da cidade. E que foi aos poucos se escondendo embaixo das ruas, sob o traçado metálico dos trilhos dos bondes. Que foi se transformando em escoadouro para o esgoto e se tornando fétido e poluído.

O RIO CARIOCA

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Estação de tratamento de esgoto do Rio Carioca no Aterro do Flamengo.

O rio Carioca hoje não abastece mais a cidade. Ele, aliás, só pode ser visto em poucos locais antes de virar esgoto e correr por uma tubulação subterrânea. Na mãe d’água, no bairro do Silvestre (local onde foi desviado e deu origem ao bairro de Santa Tereza). Passando por dentro da favela do Cerro Corá. No largo do Boticário. E no ponto final do ônibus que sobe o Cosme Velho. Daí em diante ele vira uma tubulação de esgoto que vai desembocar na estação de tratamento da praia do Flamengo onde despeja os dejetos das populações dos bairros das Laranjeiras, Cosme Velho, Flamengo, Largo do Machado e catete nas águas turvas da Baía de Guanabara.

foz rio carioca

Foz do Rio Carioca na Baía de Guanabara.

O trajeto da água é realmente importante na história da vida Carioca. E a população parece não se dar conta disso. Nós somos feitos de água. E nela podemos ver o nosso reflexo.

Mas qual o reflexo que podemos ver em um rio de águas negras? O reflexo de uma civilização desastrada que sempre optou (e ainda opta) pelo desenvolvimento infreável ao invés do respeito a água, fonte de vida para a população. A Baía de Guanabara (do tupy Iguaá-Mbara, que quer dizer enseada do rio com o mar) é um reflexo do que somos nós. Fluminenses. Do latim flümem, que quer dizer rio.

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